quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

"Breve Sumário da História de Deus"

A 20 de Dezembro de 2009 estreia, no Teatro Nacional São João, o “Breve Sumário da História de Deus” de Gil Vicente com encenação de Nuno Carinhas. O recente director artístico da instituição demonstra a vontade que sempre teve em desenvolver uma “relação exploratória” com esta obra capaz de, economicamente, expor o verdadeiro enigma da condição humana. Como o próprio nome indica, trata-se de um “breve sumário” que reúne as passagens bíblicas fundamentais para que se compreenda e reviva a história de Deus – da “Criação” ao “Juízo Final” - descrevendo o Antigo e Novo Testamentos.
Em sete dias, Deus cria o Mundo e fecunda a semente humana que profetisa a vida eterna. Contudo, a força diabólica de Satanás estimula Adão e Eva a saborearem o fruto proibido aniquilando a imortalização do Homem. A queda e o pecado reflectem-se agora na Morte e no Inferno que assombram a Terra. Mas quando tudo parece perdido eis que se avizinha a Salvação através de Cristo – mensageiro de Deus – que, humildemente, a par da pregação dos seus discípulos, aceita o seu destino consumando a missão que lhe coube. Criação, Queda e Salvação são as máximas deste auto vicentino. A forma como o autor interpreta a origem e a acção desastrosa do Homem, a necessidade dos apóstolos difundirem as palavras de Cristo e o rompimento da glória sobre o limbo, testemunham o sentimento de esperança e crença na humanidade na qual se baseia. Libertando-se os cativos e iniciando a formação de uma nova geração o Homem revive.
Quem se debruça sobre o período de produção vicentina não poderá surpreender-se com o facto de boa parte do seu reportório incorporar elementos tipicamente medievais. Descendente de uma época onde a igreja se tornou omnipresente não se torna admirável que a arte teatral fosse maioritariamente religiosa e inicialmente confinada a igrejas e catedrais. A partir de “Mistérios” e “Moralidades” a igreja incute na população medieval a fé cristã adquirindo uma visão conservadora dos costumes. Humanista e autor de uma obra variada é o exemplo do literato que transita directamente de uma cultura medieval para uma renascentista.